quinta-feira, 24 de setembro de 2020

A MENINA QUE SANGROU O CAPITÃO COM A FACA DE CORTAR CARNE SECA

Azulejo decorativo em Reguengo do Fétal, Batalha, Portugal (2018)
                            
"-Capitão, o amigo é um atrasadão, mas quero lhe ver nas mãos de Rosália fazendo tudo o que ela quiser; lhe digo mais: de joelhos, pedindo para fazer.
   -Quem? Eu, Justiniano Duarte da Rosa, o capitão Justo? Nunca.
   -Quando vai à Bahia, capitão? Marque a data e eu aposto em Rosália a dez por um. Se ela falhar, a festa nada lhe custa, é de graça.
   -Só que vou à Bahia por esses dias, logo depois das festas. Recebi um convite do governador para a Festa do Dois de Julho, a recepção no palácio. Foi um amigo meu que é da polícia quem arranjou.
   -Demora por lá? Quem sabe, ainda lhe alcanço?
   -Nem eu sei, depende tudo do juiz, tenho uma pendência no fórum. Aproveito para ver os amigos, nas secretarias, gente do governo, conheço muita gente na Bahia e os assuntos daqui, abaixo do Guedes, quem resolve sou eu. Vou demorar bem uns quinze dias.
   -Ainda assim, não lhe alcanço, prometi ao velho passar o mês com ele. Sem falar na vizinha, tenho de tirar a limpo esse assunto, descobrir a verdade, se é virgem ou não. Para mim é ponto de honra. Mas façamos o seguinte: eu lhe dou uma carta para Rosália, o amigo a procura em meu nome no Tabaris.
   -No cabaré Tabaris? Conheço, já estive.
   -Pois ela canta lá todas as noites.
   -Então está certo, me dê a apresentação e vou conhecer esse tal de buchê árabe. Mas avise a ela para me respeitar, é ela em mim, e acabou-se, se não quiser apanhar.
   -Eu mantenho a aposta, capitão, Rosália vai lhe virar pelo avesso.
   -Ainda não nasceu a mulher que mande no capitão Justo, muito menos que faça dele cachorro de francesa. Homem macho não se rebaixa a isso.
   -Um conto de réis meu contra cem mil-réis seus como o capitão lambe Rosália e pede bis.
   -Nem por brincadeira repita isso e sua aposta não aceito. Escreva para essa dona, diga que pago a ela direito, mas que me respeite. Quando me zango, não queira saber."

in "Tereza Batista Cansada De Guerra" de Jorge Amado (1972)


                "Um Nome de Mulher" - ANTÓNIO CARLOS JOBIM - VINICIUS DE MORAES (1956) 

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