sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

PERGUNTAR-SE-ÃO, PROVAVELMENTE, O QUE FAÇO AQUI?

 
Rêgo d'Água, Leiria, Portugal (2024)

Como que numa tela vazia, a profusão espacial domina a incerteza de uma paisagem em tons secos, espraiados pela nítida aridez que prolonga a imprecisão das linhas da terra. Absorto na absoluta tranquilidade de tão exausta moldura, o instinto felino revela estar atento ao cenário envolvente, imerso na solidão contemplativa de uma curiosidade que se fixa para além do reino das sombras, onde os novos ruídos e os movimentos suspeitos agraciam toda a sua natural atenção.

E o sacana do gato está ali especado já há um bom bocado e não arreda pé. Está com a atenção presa em alguma coisa que eu não consigo ver daqui. Mas que raio estará ele a ver, para permanecer tanto tempo quieto naquela posição? Porque está tão sossegado? Se calhar vigia algum pardal. Ou um melro. Talvez um chapim, ou uma alvéola, que por ali ande a saltitar. Um ratinho a cirandar ou uma pequena e desorientada toupeira que veio espreitar à superfície da terra. Também se pode tratar de um simples bocado de papel que, encantado pelo sopro do vento, por ali ande a dançar. Ou alguém a passear um cão. Um atraente espécime do sexo oposto. Que gaita! Alguma coisa que está para além do plano do terreno, fora do enquadramento da imagem. Não consigo mesmo ver, daqui.

Que cena irritante. E o bichano ali continua. Atento. Sem uma reação. Não mexe. Não mia. Raios partam a curiosidade. Simplesmente, um gato a ser um gato. Que se dane. Vou mas é fazer qualquer coisa. No entanto, havia de tirar uma foto desta cena. Pode ser que até fique gira. Espero que ele não saia dali enquanto vou buscar a câmara.


                            "Facts About Cats" - Timbuk 3 (1986)


sexta-feira, 19 de abril de 2024

ESTÁ TUDO NA VOSSA MENTE, SABEM?

Rêgo d'Água, Leiria, Portugal (2024)
Esta placa pretende indicar algo, uma direção provavelmente. Um ponto incógnito para seguir. Tem o poder de aguçar a curiosidade dos transeuntes mais atentos e poderá até levantar questões dúbias, algumas suspeitas, ou então um simples, porquê? De repente, a questão ganha contornos filosóficos. Quem a colocou? Porque a colocou? E quando a colocou? Será que alguém viu? Haverá cúmplices? Será uma placa encriptada, destinada a revelar a localização de uma sociedade secreta, em que a determinada hora, vista de uma determinada posição, sob a incidência de um determinado ângulo de luz, revele a sua verdadeira indicação? Terei coragem suficiente para seguir tão sugestiva direção? Vai! Segue! É mesmo por ali, continua! ... Nem calculas o que te espera ...

Espera! Será esta a direção da estrada dos tijolos amarelos? Um dos muitos caminhos para Roma? A passagem para a Índia? Roswell ou a estrada da Luz? O caminho para Tabasco, Mandalay ou - "amigos, wait wait" - será para Andalay? 

                            "Road to Andalay", de Friz Freleng (1964)


O mais certo é ser uma estrada para nenhures. Um lugar vazio onde não se passa nada, mesmo nada. Um vazio absoluto em que nem o próprio silêncio se ouve. Vácuo. Anti-matéria. Não existência. Deus? És tu? Estás aí? Na, não me parece. Seria fácil demais e tudo perdia a sua piada. A piada está no mistério, em tu acreditares e eu não. Quem é que terá razão? Não vais saber. Eheheh!

No plano da ficção científica, eu até posso olhar para esta placa, ou sinal, e imaginar para onde quero ir. Poderia escolher as terras áridas da Islândia, o fundo silencioso dos nossos oceanos ou as extensas planícies vermelhas de Marte. Viver dentro de um livro, ser o sulco de um disco de vinil ou o fotograma da película de um filme. Ser todo um renque de possibilidades infinitas porque, tal como a personagem de George Harrison no filme "Yelllow Submarine", de George Dunning (1968), diz ...


Pode-se então induzir que este sinal poderá ser igualmente um estímulo à imaginação de cada um. Ao olhar para a sua opacidade, o sujeito deve procurar, no íntimo do seu ser, por aquilo que realmente deseja que ali esteja momentaneamente indicado: "BAR DA MORGUE - 500mts" "MULHERES BOAS, COMENDO MELOAS - 200mts" - "O ELIXIR DA ETERNA JUVENTUDE - 10km" - "TEATRO CHINO - 2km" - "HAXIXA NABRAZA - 80mts" - "MELLOTRON, O PLANETA FANTÁSTICO -  ... " e até, porque não, "PEPPERLAND" ...

O mistério adensa-se. Alastra o seu espetro de cartão barato, em tábua de madeira rasa, para que do alto do seu poiso de abraçadeira de plástico, justa à estabilidade maciça de um poste elétrico, lance a confusão nas pobres mentes quotidianas e baralhe a ordinária orientação de quem nada mais tem que fazer senão seguir a rotina do próprio destino e assim caminhar, passivamente, para lado nenhum.

                            "Nowhere" - Therapy? (1993)